Ana... na real!: O privilégio do tempo

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O privilégio do tempo


Costumo ouvir, repetidas vezes, os ditos populares "O tempo é o melhor remédio" ou "Dê tempo ao tempo" ou ainda "O tempo dirá"... Posso dizer que ontem conversei com o tempo...

Não pude conviver com algumas figuras importantes, como meus avós, por muito tempo. Já eram bem velhinhos quando nasci e me acompanharam apenas na primeira infância. Ainda assim, a pessoa mais importante, depois dos meus pais, foi, sem dúvida, meu avô materno. Tenho saudades dele e só Deus sabe o quanto gostaria de ter crescido ao seu lado e aprendido as lições que o tempo lhe ensinou, as vitórias e os tombos, as alegrias e as decepções que sei que teve. Ele era um senhor lindo de olhos azuis, forte, grande (não sei se só pra mim... rs) e cuidou de mim com tanto amor... a neta caçula. Hoje tenho consciência de que tenho alguns dos seus traços de personalidade... além de ser brava como minha avó! rs

As perdas vieram cedo, só que a vida nunca me deixou na mão. Colocou no meu caminho outras pessoas que foram minhas referências. Ontem eu estive com uma delas...

A Dona Cida era conhecida lá em casa como a Bruxa do 21. Não porque era bruxa, mas porque já era bem velhinha quando nós éramos crianças e era incumbida de ficar 'de olho' nas nossas travessuras no andar de baixo. Eu e o meu irmão não éramos crianças muito travessas não, mas vez por outra se ouviam gritos ou o som de coisas a espatifar no chão. Posso dizer que demos trabalho... Ela ficava doida quando via meu irmão escalando as paredes do corredor. Subia até o teto! Dá pra imaginar o desespero da velhinha, não dá? rs

Ela tinha uma família diferente...
Foi a filha dela, a Cristina, a primeira pessoa que me ajudou no momento mais crítico da minha história, quando tinha apenas 11 anos. Ela era doce... Transmitia paz. Lembro nitidamente do conforto que trouxe ao meu coração quando tudo o mais despencava diante de mim. Tinha também do 'seu' Juarez, um senhor que nos parecia tão velho com a pele grudada aos ossos, pele cheia de tatuagens. Era um tipo impressionante, dava até um pouco de medo, mas era tão tranquilo, tão na dele...

Hoje, tantos anos depois, sou amiga dessa senhora. Conversamos por horas, sobre tudo... As fendas do rosto desaparecem diante da luz dos olhos, olhar carregado de tempo, de experiência. Ela não é daquelas mulheres que chegou no finalzinho da vida murmurando... Ao contrário, é agradecida, forte, firme. Anda devagarzinho, mas anda muito e sua mente não pára um segundo. Briga com o aparelho de DVD e não desiste porque tem muita coisa interessante para assistir ali. Cansa e fica com a respiração ofegante, mas dá dribles no Mel (gato) para dar o remédio de seis em seis horas. Chegou a tirar todos os tapetes da casa porque o gato está com bronquite! rs O corpo já debilitado, mas os olhos brilham ao falar das certezas da vida, da resistência diante das dificuldades, dos seus 36 anos de Sesc, das peças de teatro que atuou e costurou os cinco diferentes figurinos, das suas propagandas de TV, e isso tudo não foi há 30 anos atrás... São suas atividades hoje!

Essa senhora me chama de filha... Diz que sou um pouco dela. Vê moças nas revistas e diz que parecem comigo. Liga em casa, briga com a minha mãe e com o meu irmão e depois diz que quer conversar comigo. Ontem ficou tão feliz ao me ver... mas agiu como se já soubesse que eu iria. Profundidade... Ela é assim, profunda, intensa, sábia. Não é irresponsável ao falar da vida, ao contrário, toma pra si suas histórias e reafirma seus caminhos. Tem orgulho em dizer que se ainda está aqui é porque certamente tem mais algo a fazer. Luta e faz lutar. Mulher marcante. Olhar carregado de vida e de amor, mesmo com as duras provações que a vida lhe impôs. A Cristina era doente e mesmo achando que era injusto que um filho fosse embora antes da mãe, pedia todos os dias para que Deus a preservasse para cuidar da filha até o final. E cuidou, até o final. Enterrou a filha com dor infinita e agradecimento por ela ter, enfim, descansado. Enterrou o esposo, depois de 55 anos de casamento. Quem hoje vive tanto tempo e luta tanto ao lado de alguém? Ela fez... com todos... e faz comigo também.

Ontem conversei com o tempo e sabia que 'ele' tinha muito a me ensinar... Privilégio.

6 comentários:

  1. Ana,

    Eu penso que nós, com o passar dos anos, vamos nos abrindo mais para o "Tempo", certos que vamos ficando de nossa própria finita existência.
    Aprender com o tempo, contudo, é coisa para gente sensível como você. Parabéns pelo texto...
    Bjs mil....

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  2. Valeu, Andreia! Fico feliz que tenha gostado.
    Bjo.

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  3. Como nós, Ci...
    Obrigada por tudo.
    Bjo no coração.
    Ana

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  4. Ah! se soubessemos decifrar o que o" tempo" nos mostra!Pois é,evitaríamos tantos dissabores o melhor mesmo é seguir o dito popular:" Dê tempo ao tempo".
    Lindo o texto!
    Parabéns...

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  5. ...Tempo ao tempo...
    É isso aí, mamãe!
    Bjinho.
    Ana

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